Carolina McVey Fiodor Dostoievski permanece um dos autores mais eminentes na literatura, e a perfuração psicológica das suas obras nos recessos mais sombrios do coração humano manter-se-á para sempre incomparável. De facto, o mesmo aplica-se ao seu conto publicado em 1848, Noites Brancas : romance sentimental das recordações de um sonhador. Ora, o protagonista (que também é o narrador) desta obra é um sonhador, como ele mesmo nos diz, um homem solitário que apenas conhece o aspeto e a alma da sua cidade, S. Petersburgo. No entanto, uma noite conhece Nastenka, uma rapariga com uma história de vida dolorosa, que aguarda desesperadamente pelo homem que ama. Assim, durante quatro noites vemos o protagonista deixar apaixonar-se, sentir que há um coração querido que cuida, e é quando a improvável união entre os dois se aproxima num crescendo insuportável que a história termina tão abruptamente como começou. O homem é abandonado e, mais uma vez, volta-se para um mundo de sonho, encontrando consolo no momento de felicidade que experimentou com Nastenka. Em primeiro lugar, o esplendor da obra reside na habilidade de o autor, através do narrador, desvendar a alma do leitor, a alma humana. Efetivamente, com inigualável mestria, cria uma narrativa de um sonhador que representa os momentos de angústia e solidão de cada um de nós, uma narrativa que acaba por ser a nossa história mais íntima. Nesta medida, mantendo a anonimidade do sonhador, Dostoievski habilmente leva ao de cima a dimensão interna do leitor que se desliga do real. De facto, como todos nós, o protagonista também anseia por contacto com os outros, numa cidade que lhe nega esse conforto. Por este motivo, naturalmente, entrega-se ao sonho. Haverá algo mais humano que isto? Outro aspeto curioso é o tato com que Dostoievski manobra a face romântica deste conto. Antes de mais, convém denotar que este autor é conhecido pelo seu realismo psicológico, emblemático em obras como Crime e Castigo ou Recordações da Casa dos Mortos. Contudo, em Noites Brancas, a arte de Dostoievski transforma-se numa exploração sentimental que facilmente atinge a intensidade de um melodrama. E, de facto, esta abordagem elucida, possivelmente e de forma mais profunda, a principal questão do romance – até quanto pode o sonho incapacitar o homem de fruir a realidade. Para comprovar isto, destaca-se, por exemplo, o longo e pungente monólogo do protagonista sobre a solidão e o ideal que, passo a citar, “fala como se estivesse a ler de um livro”. Deste modo, esta execução onírica sem dúvida transgride para concretização da análise da personagem. Em conclusão, Noites Brancas é um sui generis da literatura universal. Com efeito, a obra espelha o engenho de Dostoievski ao retratar a profundidade humana, da mais baixa depravação à mais alta divindade, no que toca ao tormento da solidão. Ainda, com um lustre e perícia, concretiza a análise do sonhador através da fusão brilhante do romantismo e realismo. Assim, esta obra sobre alienação, amor e o irreal apela levemente aos sentidos, constituindo, por isso, uma excelente introdução o um dos melhores autores de todos os séculos. Carolina McVey, 12.º T5