Maria do Carmo Collaço
A obra Se Isto É um Homem, da autoria de Primo Levi, químico e escritor italiano de origem judaica, é uma autobiografia do autor que foi capturado e levado, em 1943, para o campo de concentração de Auschwitz. A obra, publicada em Portugal pela Dom Quixote, apresenta uma estrutura fragmentada, com capítulos curtos que refletem a memória do autor, descrevendo a violência do campo de concentração e a luta diária pela sobrevivência.
O livro começa com o autor a ser capturado pelos fascistas italianos e a ser transportado num vagão superlotado para o campo de concentração. Ao chegar a Auschwitz, os prisioneiros perdem as suas identidades, uma vez que são rapados e tatuados com um número e são submetidos a um regime de trabalho forçado, de fome e violência constante. A cada dia, a morte torna-se uma presença inevitável, seja pelos nazis ou pelo esgotamento físico. Cada capítulo aborda um aspeto da vida no campo, como o processo de seleção dos prisioneiros, a hierarquia imposta pelos nazis e as estratégias usadas para resistir. No entanto, Levi também evidencia pequenos gestos de humanidade, como a amizade e a partilha de conhecimento, como momentos de solidariedade e resistência, como a amizade com Alberto, que lhe dá forças para continuar. No final, com a aproximação das tropas soviéticas, os nazis abandonam o campo, deixando os prisioneiros doentes para trás. Levi, doente e exausto, sobrevive graças à ajuda de outros detidos e é finalmente libertado pelos russos.
Primeiramente, a obra destaca-se pela sua abordagem objetiva e sem dramatizações, o que permite uma visão clara e realista do Holocausto. No capítulo “A Viagem”, Levi descreve o momento em que foi levado num vagão de mercadorias sobrelotado, onde mais de seiscentas pessoas são empilhadas sem comida, água ou espaço para se mexerem. O silêncio e a resignação dos prisioneiros mostram perfeitamente como o medo e a incerteza os paralisam. Esta passagem é extremamente impactante, porque evidencia a perda gradual da humanidade: os capturados já não lutam nem protestam, aceitam o seu destino sem resistência. O autor não precisa de recorrer a uma linguagem emotiva para transmitir o horror da situação—basta a simples descrição dos factos para se perceber o peso da desumanização.
De seguida, outro aspeto marcante da obra é a reflexão sobre o grande impacto do trabalho forçado na degradação física e psicológica dos prisioneiros. No capítulo “O Trabalho”, Levi descreve as tarefas árduas que os prisioneiros são obrigados a executar sob frio intenso e com forças reduzidas. O autor relata como cada gesto é calculado para poupar energia, pois qualquer desperdício pode levar à morte. Um exemplo disto é quando Levi aprende a amarrar as botas corretamente para evitar ferimentos, mostrando que a sobrevivência depende de pequenas estratégias e não apenas da força física. Esta passagem ilustra impecavelmente como Auschwitz transformava o trabalho numa forma de tortura, reduzindo os prisioneiros a meros instrumentos.
Em conclusão, Se Isto É um Homem é uma obra essencial para compreender os horrores do Holocausto e a resistência humana em circunstâncias extremas, que levam a uma perda gradual da humanidade e a forma como o ser humano é capaz de se adaptar a situações de extrema violência, criando estratégias para poupar energia e sofrer menos. A escrita precisa de Levi torna o livro um testemunho poderoso e intemporal. Sem recorrer a exageros, o autor leva-nos a refletir sobre até que ponto a humanidade pode ser reduzida e o que é necessário para manter a dignidade perante momentos extremamente difíceis.
Maria do Carmo Collaço | 10.º T1