O Pe. Luís não terá sido o primeiro motard em terras de Timor, mas talvez o primeiro a fazer chegar, de Kreidler-Florett, a Palavra de Deus. Na sua escrita alegre, escreve: “Já não falta mais nenhum raio, vieram todos os parafusos pequenos e grandes, chegaram todas as peças, mesmo as mais insignificantes – está tudo certinho!” As suas memórias sinalizam as enormes caminhadas que fazia para se encontrar com os que não conheciam Deus e talvez esta motocicleta lhe desse algum alívio nesses estirados passos. Linhas convergentes_______________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. Pe. Luís Augusto da Costa “Ora cá estou eu, ou antes, cá estamos nós, porque somos dois – o ciclista e a bicicleta.” (1) Data de 6 de março de 1960 o texto que seguiu para o Boletim Salesiano desse mesmo mês. Ainda nesse mês, no dia 29, o Pe. Luís partiu para Timor, a bordo do navio Índia. O navio Índia fora lançado à água em 1950 e pertencia à Companhia Nacional de Navegação. Foi construído nos estaleiros britânicos Bartram & Sons, Ltd. “O “India”, construído para viajar em regiões quentes, oferece excelentes comodidades; tem 131 metros de comprimento, comporta 6.600 toneladas de carga, tendo quatro porões frigoríficos (…) A sua velocidade é de 14,5 milhas horárias.” (2) Nele podiam navegar quatro pessoas em classe de luxo, 60 em primeira classe, 25 em terceira classe e 298 em terceira suplementar, perfazendo um total de 387 passageiros. A partir de 1961 assegurou quatro viagens anuais a Macau e Timor. Desempenhou um papel muito importante no transporte de refugiados dos territórios geridos então por Portugal, aquando da invasão indiana, em 18 de dezembro de 1961. Foi abatido à frota portuguesa em 1971. (3) O Pe. Luís não terá sido o primeiro motard em terras de Timor, mas talvez o primeiro a fazer chegar, de Kreidler-Florett, a Palavra de Deus. Na sua escrita alegre, escreve: “Já não falta mais nenhum raio, vieram todos os parafusos pequenos e grandes, chegaram todas as peças, mesmo as mais insignificantes – está tudo certinho!”, “Eis o último modelo da melhor marca de motorizada, a famosa Kreidler-Florett”. (4) As suas memórias sinalizam as enormes caminhadas que fazia para se encontrar com os que não conheciam Deus e talvez esta motocicleta lhe desse algum alívio nesses estirados passos. No fim da sua vida, quando tal não era possível, calcorreava, a pé, outras estradas na região de Poiares. O Pe. Luís Augusto da Costa nasceu a 20 de setembro de 1918. Em 11 de novembro do mesmo ano, terminaria a 1.ª guerra mundial, dando início ao armistício, trazendo então, brevemente, alguma tranquilidade aos países europeus. Realizou os seus primeiros estudos em Poiares, Estoril e Mogofores. Foi ordenado sacerdote em 1951 e até 1953 desempenhou o serviço de ecónomo de Mogofores. Neste último ano, partiu como missionário para Timor. (5) Ali vivenciou as casas de Díli, Fuiloro, Ossu e Baucau. Regressou a Portugal no ano de 1965, enriquecendo com a sua presença as casas de Estoril, Porto e Poiares da Régua. De grande riqueza foi ainda o seu trabalho como Pároco. Faleceu na Sexta-feira Santa, no dia 25 de março de 2005. Na década seguinte ao texto apresentado pelo Pe. Luís da Costa, a marca de motocicletas Kreidler-Florett atingiu enorme projeção no campo desportivo, tendo alcançado a vitória em vários campeonatos mundiais de velocidade. A sua maior vitória tê-la-á alcançado ao ser escolhida pelo salesiano sacerdote que, num gesto de estonteante gratidão, a apresenta a todos os leitores e, em especial, aos que colaboraram na sua aquisição, dando assim mais uma prova do apoio que os beneméritos davam, desde o final do século XIX, às iniciativas da Sociedade Salesiana. A campanha de recolha de fundos para aquisição da motocicleta começara meses antes, agosto / setembro de 1959, e foi relembrada logo no primeiro Boletim Salesiano de janeiro de 1960. Aí, o padre Luís da Costa agradeceu o valor total de “… oito mil e tantos escudos”, “Tanto a quem ofereceu um parafusinho de $50 como aquém contribuiu com uma peça de 500$00 e de 950$00.” (6) E, reafirmando o seu agradecimento, acrescentou: “Numa agenda fui escrevendo os vossos nomes e, à parte uns poucos que os quiseram ocultar, cá os levo comigo para Timor.” (7) Procurava, desta forma, ter bem perto de si todos aqueles que lhe proporcionaram a motocicleta que lhe dava hipótese de chegar mais célere aos seus objetivos de formação das populações. ________________________________________________________________________ (1) Boletim Salesiano, Órgão das Obras de D. Bosco, Março, 1960, Ano XVIII, N.º 151. (2) O Comércio do Porto, 28 de fevereiro de 1951. (3) Comissão Cultural da Marinha. (4) Boletim Salesiano, Órgão das Obras de D. Bosco, Março, 1960, Ano XVIII, N.º 151. (5) Mendonça, José Anibal, Texto original escrito no 1º aniversário do falecimento do Pe. Luís Augusto da Costa, Poiares, 2006. (6) Boletim Salesiano, Órgão das Obras de D. Bosco, Março, 1960, Ano XVIII, N.º 151. (7) Ibidem.