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Quando vou às escolas falo sempre da minha relação com a escrita, desde a infância, e os truques a que recorro para ter inspiração, no meu dia-a-dia. Truques a que geralmente as crianças e jovens não podem aceder, na sala de aula. 

1. Música: para mim, escrever é compor. E faz-me muita falta ter uma melodia de suporte para a minha “viagem”. Aliás, antes de começar um livro escolho a música que me transporta para o lugar onde preciso de estar, para a emoção que preciso de sentir. Com excepções (porque há professores a fazer milagres, nesta e noutras matérias), os alunos são desafiados a escrever em salas fechadas e silenciosas, que, a apelar a qualquer sentimento, é somente àquele que terá levado Kafka a escrever “O Castelo”…

2. Prazer: sempre escrevi por prazer. Já os temas impostos, que eu entendo necessários, roubam parte do prazer (que haja, pelo menos, duas ou três alternativas, para os alunos escolherem aquela que lhe possa dar mais prazer). Já a avaliação, pode matar o prazer por completo! Temos um sistema de ensino assente na permanente avaliação, mas a escrita é uma arte. Tal como a música e a dança, implica Técnica, mas implica também emoções, inspiração e libertação. Se passamos a vida a impor a técnica e a avaliar a técnica, nunca permitimos aos alunos que descubram o prazer da arte…

3. Liberdade: se queremos que os jovens escrevam, temos de lhes permitir, pelo menos de vez em quando, que escrevam tudo o que quiserem, o máximo que quiserem. Os limites têm de surgir depois da liberdade. Mal de mim se não tivesse enchido páginas e páginas de profundos disparates. Ora, se a abordagem que é feita à escrita implica, para além da imposição de um tema, um número limite (mínimo e máximo) de caracteres, onde reside a liberdade da criação? Eu tenho um filho que tem boas ideias para textos curtos e cómicos… mas é obrigado a meter “palha”. Tenho outro que enche páginas e páginas, se puder… e passa parte dos testes a riscar palavras para não ser descontado por ter escrito demais. Como é que se descontam palavras “a mais”? A mais porquê? A mais para quem?

4.  Bloqueios: explico muitas vezes, aos alunos, o que faço quando estou bloqueada. Ou calço os ténis e vou dar uma volta ao quarteirão – o que os alunos não podem fazer – ou medito – o que os alunos, num exercício de escrita, não têm tempo para fazer. Claro que podem respirar, e é importante explicar aos alunos o que acontece no cérebro quando estamos bloqueados, e o que é que podemos fazer por ele (é importante para todo o tipo de bloqueios e situações de stress com que se vai deparar na vida). Mas às vezes não chega, e é importante que haja compreensão para com estes bloqueios. Se um escritor, habituado a escrever todos os dias, tem momentos de bloqueio, pelas mais diversas situações, como é que os alunos não os podem ter? Sendo que muitos destes bloqueios até são emocionais, e os jovens estão muitas vezes no pico das suas emoções. Há dias em que mais vale mandá-los mesmo dar uma volta ao quarteirão…

Tenho visto, com muito agradado, o esforço que muitos professores fazem para cativar os alunos para a escrita (assim como para a leitura, que dava outro texto). Mas é muito difícil fazê-lo com estas regras, imposições e avaliações. Somos um povo de escritores, e corremos o risco de vir a ser um povo com aversão à escrita…

Sara Rodi