Joana Branco
A vida ganha mais cor quando partilhada e o desafio, muitas vezes, é conseguirmos sair da nossa zona do conforto e darmos o que somos e o que sabemos aos que mais sofrem e estão marginalizados pela sociedade. E não é fácil. Não é fácil sair da nossa ilha e ver o mundo real. Mas os jovens ensinam-nos que o amor se distribui também por quem não o tem.
Neste ano letivo, a Pastoral lançou o desafio e todas as turmas criaram os seus projetos de intervenção na sociedade, depois de refletirem sobre as fragilidades que consideravam mais significativas. O 12.ºA1 percebeu, desde início, que era através da arte que queria colorir os dias das pessoas que estavam internadas e “abandonadas” nos hospitais, por não terem resposta social que lhes desse uma vida mais estável e mais digna (problema que se acentua de ano para ano). Depois de alguns contactos e autorizações, foram os utentes do Hospital Egas Moniz, da Enfermaria de Contingência, que puderam usufruir, semanalmente (de dezembro a abril), da companhia e das atividades deste jovens que, em pequenos grupos, nunca falharam o seu compromisso. Escrevo sobre este projeto de coração cheio não só enquanto diretora de turma, mas também enquanto ser humano que aprende ser possível contribuir para que a vida dos outros seja um pouco mais alegre, tendo a vontade como éter para fazer o sonho voar (cf. Memorial do Convento, de José Saramago).
Os próprios alunos escreveram, na preparação da apresentação do “Bom Dia”, realizada no dia 24 de abril, que “a arte desempenha um papel crucial na vida de idosos e pessoas em situação de abandono, oferecendo uma variedade de benefícios físicos, emocionais e cognitivos. Estudos mostram que o envolvimento com atividades artísticas, como pintura, música e dança, pode melhorar a saúde mental, reduzir a solidão e aumentar a sensação de bem-estar geral. Além disso, a arte proporciona uma forma de expressão e comunicação, permitindo que essas pessoas compartilhem as suas histórias e emoções, promovendo conexão com os outros. Para muitos idosos e pessoas em situação de abandono, a arte não oferece apenas entretenimento, mas também uma maneira significativa de encontrar alegria, propósito e significado na vida.” Foi a partir destas ideias que promoveram diversas atividades nos dias que, segundo testemunhos das enfermeiras, eram aguardados com ansiedade pelos utentes do hospital: dançaram, fizeram karaoke, jogaram futebol ou outros jogos (“Stop”, cartas), pintaram e desenharam, tiveram tempo para uma “fofoca time”, tocaram instrumentos e também levaram o estojo de manicure para deixar as meninas ainda mais bonitas.
Foi um projeto de turma e organizado a 98% pela turma (tendo a coordenação das alunas Emília Dias e Leonor Serpa) – não digo 100% apenas porque a Pastoral lançou o desafio e fez o primeiro contacto com o hospital. Foram eles que tiveram a ideia, estiveram presentes nas reuniões, fizeram escalas com a distribuição dos grupos por dias, fizeram a vez de colegas que, por algum imprevisto, não podiam estar presentes e comunicaram com regularidade com as enfermeiras. Foram eles que dinamizaram as atividades e contribuíram para deixar mais colorido aquele dia em que visitavam os utentes do hospital. Este projeto não foi de professores, não foi sequer meu enquanto diretora de turma e nunca pensei escrever com orgulho que eu não fiz nada. Não sei qual foi o segredo, sei que os 27 alunos (uns de forma mais ativa, outros menos) disseram presente em algum momento do projeto “Pintar corações” (como, carinhosamente, designaram).
Vários foram os testemunhos que receberam das enfermeiras e é impossível ficar indiferente ao amor partilhado e ao desejo de continuidade, tendo em conta os frutos colhidos (fica o desafio para a escola e para a Pastoral).
Apesar de todo o trabalho final de período, o repto foi lançado e os alunos ainda realizaram uma última apresentação no hospital, com a colaboração do Padre Ricardo e do João Fialho. Nessa ocasião, receberam um miminho por parte dos profissionais envolvidos: um diploma individual que perpetua o trabalho e a entrega nestes meses em que foram capazes de pintar os corações de quem, há muito, vê o mundo a preto e branco.
Joana Branco (diretora de turma do 12A1)
“Pintar corações” – testemunho de duas alunas
“Participar neste projeto foi uma experiência que envolveu toda a turma desde o início. Desde a organização até à concretização, e até mesmo agora, ao partilhar este testemunho, cada momento foi enriquecedor por vários motivos. Cada visita ao hospital foi uma vivência única e, ao conversar com os meus colegas, percebi que todas as experiências foram distintas. Pudemos conhecer pessoas e artistas e ouvir as suas histórias de vida que tiveram em nós um impacto muito maior do que alguma vez elas possam imaginar. Para além de tudo isto, fomos sempre apoiados por profissionais dedicados, verdadeiros heróis, que nos acompanharam em cada etapa e fizeram tudo o que puderam para nos deixar o mais confortáveis possível. No final, sinto que não só conseguimos deixar uma pequena marca naquele ambiente e naquelas pessoas, mas também que todos nós crescemos um pouco com esta experiência.”
Leonor Serpa
“Não poderia deixar de concordar com tudo o que a minha colega disse. De facto, temos consciência de que não é toda a gente que se sente confortável ao ponto de passar várias tarde com pessoas que começam por ser desconhecidos numa situação de vida menos favorável, mas que acabaram por se tornar muito mais do que isso. Dificilmente nos esqueceremos de todas as pessoas pelas quais passámos, das suas histórias, dos seus nomes. Por muito que a sociedade à sua volta não os faça sentir envolvidos, eles juntaram-se a nós e receberam-nos naquela enfermaria sempre à espera da próxima conversa, da próxima pintura e do próximo jogo. A verdade é que estas pessoas vão deixar na nossa turma uma grande grande saudade e, mais importante ainda, a lição de que é a ajudar os outros que nos sentimos melhores também.”
Emília Dias