| Querer saber, querer fazer |

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| Querer saber, querer fazer |O professor de História de 53 anos, que leciona na Escola Básica de Santo Onofre, nas Caldas da Rainha, viu o seu trabalho ser reconhecido muito graças às técnicas inovadoras que utiliza nas aulas, desde premiar os resumos feitos pelos alunos a instrumentos coloridos para avaliar as aulas em tempo real, algo que considera ser uma grande vantagem.

Na entrevista dada à MAGG no rescaldo desta distinção, Rui Correia assume que a sua candidatura, que começou a ser processada sem o seu conhecimento, foi um “caminho comovente” e acredita que para ser bom aluno basta “querer fazer”. Para além do papel dos professores, falámos também sobre tecnologia e sobre a resignação das crianças, entre outros temas.

O que é preciso fazer para se ser um bom aluno?
É muito fácil responder a isso. Para ser bom aluno basta querer fazer. O nosso grande adversário é o não querer saber. E essa afirmação, o não querer saber, às vezes esconde outras coisas, outras ideias. Por exemplo, há quem assuma essa postura de não querer saber porque considera que o estudo é algo bom que só acontece às outras pessoas, e não a esse indivíduo em particular. Se eu vir um adulto que está resignado com qualquer coisa, seja em relação ao futuro, à possibilidade de ter sucesso na vida, eu vou reagir e chamar-lhe a atenção para as outras coisas que tem na vida. Algo como “Tens saúde, por isso vamos lá dar a volta a isso”.
Já ver essa resignação em crianças com 10, 12, 14 anos, isso ofende-me muito. Vejo isso como uma motivação para fazer 30 por uma linha para que percebem que o estudo é uma coisa para todos, e não apenas uma coisa limitada à escola — acontece em todo o lado, até numa conversa como a nossa. Se conseguirmos dissipar esta ideia, de que o conhecimento não é apenas algo escolar, mas algo comum a todas as circunstâncias da vida, talvez consigamos fazer com que uma pessoa — e digo pessoa, e não aluno, propositadamente, não consigo olhar para os meus alunos de outra forma se não como pessoas — tenha essa vontade.

E o que faz um bom professor?
Um bom professor é exatamente a mesma coisa, neste caso deve querer saber. Estudar os seus alunos, ter a coragem de mudar quando é preciso mudar, de resistir quando é preciso resistir. É preciso estar muito atento e perceber que não há nenhuma diferença entre ver um amigo a querer aprender alguma coisa, e ver um aluno a fazer a mesma coisa. Não há mesmo diferença nenhuma, aprender é algo que todos fazemos.

Acha que temos bons professores em Portugal?
Claro que temos, e eu não sou de todo o melhor. Não preciso sequer de sair da minha escola nem do meu agrupamento para lhe dizer cinco ou seis professores que considero serem melhores do que eu. Estamos de facto cansados, mas também lhe consigo dizer isto, que é algo que todos os professores lhe repetirão: são muitas as vezes que um professor entra numa escola e é resgatado pelos seus alunos e pela muita alegria que se encontra dentro de uma sala de aula. Se este País funcionasse tão bem como uma sala de aula, ia-se muito mais longe. Aliás, as grades das escolas não estão ali para impedir ninguém de sair, mas sim para garantir que quem entra vem por bem.

O que é que falha no nosso sistema de ensino?
Eu sou especialista na minha sala de aula, não sou especialista em ciências da educação nem em política educativa. Não são essas as minhas incumbências, nem tenho uma opinião suficientemente informada sobre o tema.

Os professores são uma classe desprotegida e mal paga?
Volto a dizer, não quero mesmo ir por aí. Estou nisto porque os meus alunos são muito generosos comigo e consideraram-me para este prémio — é apenas sobre isso que quero falar.

Então vamos focar-nos exatamente nisso: foram os seus alunos que enviaram a sua candidatura ao Global Teacher Prize Portugal?
Este caminho da candidatura é muito simples e muito comovente. Começa sem o meu conhecimento, e a primeira ligação que tenho com o facto de poder ser candidato é quando recebo um telefonema da Global Teacher Prize. Quando me telefonaram, indicaram-me que havia um grupo de ex-alunos meus que me tinham recomendado — organizaram-se e preencheram em grupo os formulários de recomendação.
Esses textos que eles escreveram são textos que ainda não conheço, mas são aparentemente muito comoventes. Após isso, acabei por seguir com a minha candidatura, por eles, e porque apesar de já não serem meus alunos, a minha relação para com eles não mudou, e é uma relação de absoluto respeito e de diversão.

O que é que significou este prémio para si?
Antes de mais, uma enorme felicidade. Em segundo lugar, foi uma lição de humildade. Tenho a noção de que não sou o melhor professor de Portugal — até já o disse duas vezes —, mas represento milhares de professores que dão o seu melhor.
Todas as notícias que saíram sobre este prémio falavam das suas técnicas inovadoras. 

Que ferramentas são estas?
São ferramentas muito simples, muito low-tech. O que vejo, na maioria das aulas, é que as ferramentas muito tecnológicas acabam por trazer demasiado ruído. Falando de ferramentas, acho que é importante perceber como é que os alunos aprendem. Por exemplo, perguntar a uma turma “vocês estão a compreender” é de uma incrível ingenuidade profissional — ao longo de toda a minha carreira, acho que tive 14 ou 15 alunos que me disseram que não estavam a perceber.
Tinha de encontrar uma forma de criar um feedback em tempo real do que estava a acontecer dentro da sala de aula, e isso dava-me duas vantagens: ficava a saber se os miúdos estavam a compreender ou não, e tal também responsabiliza os alunos. E isso faz toda a diferença. Outro tópico que me preocupa muito é que eu não posso aceitar que haja crianças resignadas à ideia de que aprender e ter sucesso na vida é uma coisa para os outros, e por isso é que preciso do tal feedback real. As técnicas que utilizo envolvem paus de dentista, copos de várias cores, aposto também nos resumos, na utilização dos quadros brancos. Estou sempre a aprender, à procura de mais técnicas para conseguir ter uma boa carteira de estratégias.

Com uma carreia de 30 anos, acha que os alunos de hoje em dia são diferentes de os de há 20 anos?
São exatamente a mesma coisa. Com toda a honestidade, vejo-os com os mesmos talentos, com as mesmas curiosidades. Temos um novo adversário, e tenho muito cuidado com os ecrãs, que estão a modificar algumas interações. Mas aqui a questão acho que não é mudar os ecrãs, mas sim mudar a pessoa. Por exemplo, o que é que me interessa que um aluno esteja a ler a “Ilíada” no telemóvel desde que saiba o que se passou?

Acredita então que a tecnologia não tem de ser um inimigo do ensino?
Não, e mais: a tecnologia tem de ser incorporada, não há outra maneira de fazermos isto. Eu recorri ao low-tech porque me diverte muito esta ideia retro, mas também porque, para mim, a tecnologia não pode ser falível. Eu não quero perder tempo porque um acesso a uma rede não funciona, por exemplo. Eu tenho de ser interessante e não me posso dar ao luxo de esperar, não posso estar a convencer 20 pessoas que daqui a um bocadinho vou ser interessante. E isso passa pelo esforço que fazemos para conseguir encontrar estratégias excitantes para os miúdos, significativas e que os façam querer aprender.

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