| Recriar a Educação, em rede |

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“Porque os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito, nascer sem asas e fazê-las crescer.”(José Saramago)

Esta frase, que me acompanha numa capa de madeira que abriga “sonhos” feitos projeto(s), interações tornadas realidade e desafios assumidos para conquistar, tem um forte poder educativo. A Educação é muito mais do que professores, alunos, escolas, ensino e políticas (mais ou menos) educativas. Educação é relação, criação, inovação e desejo de conquistar um outro mundo. Educar é capacitar para outros horizontes, por vezes vistos como inatingíveis… Na verdade, como afirmou Steve Jobs: “Se tu o desejas, podes voar, só tens de confiar muito em ti.”

Em tempos caraterizados por uma globalização crescente, pela “proximidade” que o poder das redes sociais concretiza, esta introdução, feita em tom (pro)vocatório, tem o objetivo fundamental de puxar pela vocação que há em cada um de nós e, com isso, refletirmos sobre o significado que a palavra Educação necessita assumir na atualidade.

Os tempos do professor-centro, detentor de “todo” o saber, transmitido a grandes populações de iletrados pertence ao mundo da escolástica e a um passado que alfabetizou um elevado número de alunos passivos, que bebiam (disciplinadamente) esse conhecimento distante. Cumpriu o seu tempo, há muito tempo!

O foco da ação educativa atual tem de estar na relação, na intersubjetividade desenvolvida no contexto de uma comunidade de aprendizagem e na capacidade dialógica que a arte de saber conversar promove. Pede uma ação colaborativa que visa formar cidadãos ativos (crianças, jovens e adultos), autónomos e responsáveis, mas também sensíveis e criativos, que desenvolvem o prazer de aprender construindo conhecimento.

Por isso, a sociedade deste primeiro quartel do século XXI necessita de “novos” professores, que fazem da cooperação e da inovação a sua prática. Parafraseando António Nóvoa, pede um novo tempo dos professores, de professores que queiram voar… Como tal, a realidade de uma gramática da escola que tem como imagem de marca a autossuficiência, a velha pedagogia do espaço da sala de aula, o ensino de conteúdos prescritos e uma avaliação feita classificação não servem. São bolor (des)educativo!…

Uma outra educação necessita que cada professor “descubra” o novo que habita em si e o resgate para a construção de um futuro diferente, mas também que, a partir dessa descoberta, o provoque naqueles com quem se relaciona educativamente. Sim, porque um professor, como nos lembra José Pacheco, não ensina aquilo que diz, mas sim aquilo que faz, aquilo que é. Para esse resgate do Ser, necessitamos de novas mentes educativas…

Voar na direção de uma outra realidade exige tirar os pés da terra que conhecemos, sair da “zona de conforto” que construímos (apesar de, muitas vezes, ela ser desconfortável…) e desbravarmos novas rotas, abrindo, como os antigos descobridores portugueses, novos mundos ao mundo. Esse é um processo que só se constrói através de um trabalho de equipa, cooperativo e de relação, em vez da velha máxima neoliberal segundo a qual só seremos melhores através da competição.

Este sentido de relação e de colaboração, com a reflexão que lhe está associada, pode ser muito potenciado pelo uso dos interfaces que compõem as redes sociais. Também deste modo podemos construir autênticas comunidades de aprendizagem, criando novos espaços de (auto)formação que chocam frontalmente com a formação que, habitualmente, é oferecida aos professores. Em vez da formação por “catálogo”… na qual têm sido investidos milhões de euros desde abril de 1974, sem mudar o paradigma de escola que temos, devem promover-se redes de conhecimento, relação e partilha que, sem esquecer a necessidade de práticas de imersão reflexiva (nos contextos reais de trabalho), criam novas dinâmicas e podem, por isso, ajudar a recriar a educação portuguesa e a escola pública.

Apostar nos professores significa, ao mesmo tempo, afirmar que com eles (“novos” professores, convém não esquecer), os alunos deixarão de ir à escola por obrigação e fá-lo-ão por prazer, com uma felicidade derivada de uma aprendizagem que se constrói a partir de projetos com sentido nas suas vidas, autorregulados e promotores de um conhecimento significativo que os prepara para a vida e os liga à comunidade que integram.

Educar em rede significa também que os sistemas de regulação que os vários atores educativos expressam, por exemplo nas escolas, necessitam de ser recriados, substituindo as opções de tipo centralizado, descentralizado ou desconcentrado (multicentrado), caraterizadas por relações de tipo vertical (mais ou menos hierarquizadas), por um sistema de regulação de tipo distribuído, que o funcionamento em rede permite. Este conceito, desenvolvido por Paul Baran (1964 – On distributed communications. Santa Mónica / EUA:The Rand Corporation)assenta em ligações de tipo horizontal, que cada um dos núcleos da rede (estações) desenvolve com outros núcleos, em função de necessidades, interesses e/ ou dinâmicas comuns. O centro deste tipo de rede são os princípios e valores que todos os núcleos partilham.                        
Assumir-se que a Educação em Portugal (e a escola pública) necessita(m) de outro sistema de regulação exige (também na estrutura do Ministério da Educação) que a ação educativa expresse o n.º 3 do art.º 48.º da Lei de Bases do Sistema Educativo: “Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.”Por isso, os diretores das escolas devem liderar pela motivação, trabalho coletivo e inovação rumo ao sucesso, sendo verdadeiros pedagogos que promovem projetos educativos e curriculares que, em vez de vestidos de noiva, desconstroem, pela apropriação e diferenciação pedagógica que incentivam, um modelo de escola que continua assente nos princípios da referida escolástica (com tendência neoliberal): anos de escolaridade, turmas, aulas, aprendizagem memorística, conhecimento linear (inerte), classificações e rankings.

Não basta saber, por exemplo, de uma Escola da Ponte (em Portugal), dos Jesuítas da Catalunha (em Espanha), do Projeto Âncora (no Brasil), ou da Wooranna Park Primary School (na Austrália); é necessário construirmos em cada escola, com autonomia e flexibilidade, o futuro aqui e agora.

António Quaresma Coelho