“Saindo das lógicas labirínticas”

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seara-labirintoSeja-nos permitido começar este texto com uma prece que traduz muitas das esperanças que estão inscritas neste livro [Da Igualdade de oportunidades à equidade educativa]: 

Senhor, dai-nos a luz que ilumine a memória para melhor acendermos o presente. Dai-nos a humildade de reconhecermos os limites e os erros. A lucidez para não confundirmos os meios com os fins, o acessório com o essencial. 

Dai-nos alento para ousarmos sair dos círculos viciosos das aparências e do faz-de-conta, a inteligência e a disponibilidade para escutar e para agir. 

Dai-nos a determinação para resgatar as nossas crianças e adolescentes do peso da alienação, para “atenuar as consequências vitalícias do veredicto escolar” que arruína a vida de muitos jovens; dai-nos a coragem de multiplicar as oportunidades de sucesso, combatendo a “visão monista da inteligência”, a hierarquia escolar e a insularização dos saberes. 

Dai-nos a ousadia para instaurar “novas formas de competição entre as comunidades 
escolares associando professores e alunos em projetos comuns de modo a suscitar a emulação e, através dela, uma incitação ao esforço, à disciplina produtiva” e à democratização do sucesso; dai-nos o crivo que separa o trigo do joio e a luz que ilumine e reconheça o esforço, a dedicação e a entrega de todos aqueles que amam e educam as nossas crianças. 

Dai-nos a coragem para seguir uma linha de rumo que favoreça a construção de uma escola mais feliz e fraterna, mais solidária e mais livre e que não se deixe aprisionar pelo íman dos interesses, pela conspiração dos silêncios, pelo jogo das manipulações e pelos consensos fáceis e estéreis. 

Dai-nos o alento para “romper com a rotina”, para “reduzir o fosso entre o fim da escolaridade e a entrada na vida ativa”, para destruir o modo perverso do (não) ingresso 
no ensino superior, que aniquila tantas expectativas e esperanças legítimas. 

Dai-nos um poder que esteja ao serviço da realização das pessoas, a confiança na liberdade da ação dos homens e das mulheres livres e responsáveis e a tolerância para o que é diferente de nós e para com o erro. 

Libertai-nos da tentação da uniformidade, do peso regulamentador das normas, do excesso de disciplina, da atração do domínio, do reinado do triunfo e da arrogância da doxa. E livrai-nos também dos discursos “cheios de boas intenções”, que gerem as (des)ilusões pedagógicas. 

Senhor, dai-nos a força, o ânimo e a sabedoria para descobrir os “responsáveis capazes de mobilizar as imensas reservas de inteligência, de imaginação e de dedicação ainda mal utilizadas”, para “vencer as incontáveis resistências” e para “desmascarar as astúcias do formalismo igualitarista”. 

Dai-nos, enfim, a capacidade de indignação e de revolta e o desassossego radical face à injustiça, à exclusão educativa e à precariedade dos vínculos sociais. E não nos deixeis 
cair na tentação do rebanho, na mediocridade da indiferença e na ilusão das aparências. 
Ámen. 

Texto original de José Matias Alves. As passagens assinaladas com aspas pertencem a Pierre Bourdieu, Collège de France (1987)