É sabido que a necessidade aguça o engenho. E que todo o negócio acaba por se desgastar e precisa de se reinventar, procurando novos públicos que permitam a sua sobrevivência. É então que entram os estudos de mercado e a procura desenfreada por “nichos” com necessidades que “urge” colmatar através do desenvolvimento de ofertas credibilíssimas e inquestionáveis que prometem o Santo Graal, com a enorme vantagem de ser alguém de fora que o encontra, sem que os que estão “dentro” tenham que se preocupar muito para além de continuarem a cumprir com as suas funções.
E é então que a prestação de serviços encontra o nicho da Educação. E que belo nicho! Com tanto problema, tanta necessidade, tanto objetivo, tanta meta, tantas dúvidas! O cenário ideal para desenhar propostas (para todos os gostos e problemas) que prometem resolver tudo o que há para resolver, de forma fácil e eficaz (?). Para o insucesso escolar, vêm os projetos A e B, já com provas dadas e “cientificamente” testados, com estudos de impacto altamente positivos. Para o absentismo, há os projetos C e D, que já foram implementados lá fora e prometem não deixar ninguém de fora. E para o trabalho colaborativo, e para o envolvimento dos pais e para a inovação (que agora diz que tem que ser…) e para a inclusão… E são plataformas que prometem aumentar exponencialmente a eficácia da gestão escolar (embora possam também aumentar exponencialmente o tempo gasto pelos professores em tarefas burocráticas estéreis e que em nada contribuem para as aprendizagens dos alunos). E são projetos milagrosos assentes em metodologias tão eficazes que basta irem à escola uma vez por semana para tudo resolverem (que podem nada ter a ver com o que é suposto que os alunos aprendam, mas têm pressupostos bonitos e dão imenso nas vistas). E no fundo, tudo isto é relativamente fácil de montar, porque afinal, todos sabemos um pouco de Educação, e em contextos nos quais os problemas são complexos e de difícil resolução, é fácil ceder à tentação de acreditar nas promessas enunciadas…
É por isso que hoje escrevo. Porque enquanto profissional da Educação, e vendo proliferar um sem número de “soluções pronto-a-vestir” para os complexos problemas com que se deparam as escolas hoje em dia, tenho o dever de alertar para algumas questões que me inquietam, nomeadamente:
1. É urgente fazer a distinção entre negócio e cooperação e compromisso social coletivo em torno da melhoria da Educação.
É sabido que as escolas não podem tudo e que a colaboração dos parceiros sociais é, hoje em dia, imprescindível. No entanto, o compromisso social coletivo faz-se criando redes com diferentes atores, que assumem diferentes papéis de acordo com as suas áreas de especialização, mas que agem em função de uma missão e objetivos comuns. No caso da Educação, o objetivo último desta cooperação só pode ser o de fazer com que todos aprendam mais e melhor. Já o negócio pretende, acima de tudo, aproveitar-se das necessidades de outrem em benefício próprio.
2. Entender que as respostas para os problemas das escolas vêm de fora, de quem por vezes pouco ou nada sabe de Educação (ou, sabendo até alguma coisa, está mais interessado em fazer negócio), é passar um atestado de incompetência às escolas. É assumir que estas não conseguem resolver os seus problemas e que uma intervenção externa, fará o que não conseguem fazer. E isto é uma perigosa desprofissionalização dos docentes, uma perigosa desresponsabilização das escolas e, em última análise, uma distração que desfoca as escolas e os professores da sua missão central, canalizando as suas forças para rituais (mais ou menos folclóricos) que atuam à margem dos reais problemas.
Quem conhece as escolas sabe que os projetos que dão frutos, que conseguem mudar a cultura escolar e as identidades profissionais e assim contribuir para melhorias sustentáveis, são os projetos que nascem dentro das escolas, pensados e concebidos pelos seus profissionais, para pessoas concretas e problemas concretos.
3. Invocar a ciência para atestar a eficácia de projetos e programas, centrando-se num paradigma unicamente positivista, com base em medições de impacto pouco claras, gráficos e estatísticas inexplicados (inexplicáveis?), ignorando dados de contexto e variáveis centrais para a explicação dos fenómenos educativos é, no mínimo, uma simplificação abusiva da hipercomplexidade destes fenómenos, que só pode levar a perigosos reducionismos.
A ciência, nas áreas Sociais e Humanas e principalmente em Educação, é muito mais do que números e estatísticas. É ver para além da montanha. É rejeitar as aparências. É procurar perceber as lógicas de ação nos bastidores de um palco onde por vezes o que se vive não é mais do que mera encenação.
4. Problemas complexos exigem respostas complexas, concertadas, multidimensionais, coerentes, com sentido, com propósito e sequencialidade. Não serão certamente os projetos do tipo “penso rápido”, mesmo que se apresentem em bonitas caixinhas multiformes e multicolores, que vão resolver questões que necessitam de um pensamento estratégico, sistemático, alimentado pela realidade e que só pode ser desenvolvido dentro de comunidades educativas que se assumam, simultaneamente, como comunidades profissionais de aprendizagem.
Para que os negócios da Educação não floresçam e se sobreponham a saberes profissionais e organizacionais insubstituíveis, apostemos no potencial criador e criativo das escolas. Porque é lá que estão as inteligências que, aliando os seus conhecimentos teóricos, empíricos e situacionais ao exercício consciente de um profissionalismo reflexivo e interativo, são capazes de construir um saber e uma prática verdadeiramente transformadores.
Ilídia Cabral