Rui Gonçalves Visto de cima os pomares têm árvores todas iguais. Na terra da minha avó temos duas figueiras. Uma dá-nos frutos bem cedo no Verão. Não são doces, nem grandes e vistosos… A outra atrasa-se muito e oferece figos suculentos no fim da época. Quando chegamos, no verão, ao longe parecem iguais. Mas não são. […] E pensar que um dia considerámos cortar a menos doce… Há pessoas capazes disso. Há escolas capazes disso. Nós não. “Passa Inês, passa”. “Chuta lá Tomás”. “Este brownie está delicioso Bessa”, “Professor!! Acabei de ver o Hamilton em casa”. “Professor, é mesmo verdade que o Bach foi cegando por estudar e copiar muitas pautas de música durante a noite à luz das velas? – “É verdade pois. Os dias acabavam cedo porque não havia luz elétrica…A luz das velas é fraca e intermitente e cansa demasiado a vista. O Bach tinha de trabalhar e tocar muitas horas porque tinha muitos filhos e restava-lhe a noite para estudar os outros mestres, copiando as suas pautas para depois devolver os livros à biblioteca”. É no pátio com frases destas que terminamos sempre o ano letivo da Orquestra do Musicentro e é descontraidamente à entrada ou à saída das aulas de Formação Musical que vou recebendo “notícias” das sementes que vou tentando plantar nas crianças e jovens que me confiam para lhes ensinar música. Às vezes questiono-me sobre o meu método. Qual o método? Não será o método uma forma de nos defendermos das responsabilidades quando nos são confiadas crianças para ensinar? Cada vez mais chego à conclusão de que o Método não existe porque tal qual a semente, cada criança é única e sendo única muitas delas não caberão num “método” para aprender. Quando se atiram as sementes à terra seguindo todas as regras nunca saberemos o que iremos colher. O crescimento musical dos alunos em cada turma de Formação Musical e o som de uma Orquestra dependem de muitas coisas tal qual no campo uma árvore ou planta depende de muita coisa para crescer. O crescimento vai depender da labora no cultivo (professores/acompanhadores no crescimento como gosto de dizer), da terra – (especificidades da escola de música), do clima (dos “altos e baixos” de todos os intervenientes, e um aspeto muito importante e um pouco menosprezado: da vontade das próprias árvores e plantas que também lutam por crescer – (os alunos). No final de cada ano letivo “apago” todo o material usado assim como os planos de aula de forma a eu próprio me renovar e talvez por isso vá mantendo a alegria na sala. Ficam os objetivos comportamentais, sendo paciente perante as dificuldades de alguns que muitas vezes não são dificuldades, mas apenas “ritmos diferentes” de cada criança. Como as turmas não são grandes os níveis de desafio podem ser adaptados no momento de forma a que os mais rápidos se sintam estimulados. Isto gera um bom ambiente de sala, empenho, bom ritmo de aula em que se alternam picos de concentração e trabalho com pequenos diálogos que servem para preparar nova escalada de trabalho. Há terras, poucas em que qualquer semente atirada cresce, gera árvore, flores e fruto. As turmas de música no Musicentro e Orquestra do Musicentro têm o seu “som”, a “sua terra” com especificidades. Estamos e estou atento. Tem “educadores, acompanhadores e passadores de experiências” dedicados. Tem alunos que também têm de ser estimulados a lutarem ao lado dos mestres para crescerem. E por isso procuro ter um pouco de paciência e saber aguardar o tempo certo, respeitar o ritmo de cada um e perceber a especificidade porque a maioria das vezes cada aluno “joga” em vários palcos, várias atividades. Estou atento. O som da Orquestra do Musicentro e o ritmo de aula nas turmas de Formação Musical também dependem dos dias pois todos temos dias menos bons. Somos compreensivos e exigentes. Continuam a sair sorridentes muitos alunos da Formação Musical. Sinal que pelo menos não estou a destruir o gosto deles pela música. O som da orquestra do Musicentro é doce. Seja na Formação Musical ou na Orquestra aqui todas as árvores são bem-vindas. Daqui a alguns meses retornarei à aldeia de meus avós que se tornou a minha aldeia. À minha espera as silhuetas da grande e doce figueira e da grande, mas estranhamente precoce na entrega dos frutos, mas menos doce. Tenho assim a sorte de ter figos em Junho/Julho e no fim do Verão. E pensar que um dia considerámos cortar a menos doce… Há pessoas capazes disso. Há escolas capazes disso. Nós não. Rui David Gonçalves | Maestro e professor de Formação Musical do Musicentro.