227/245 doses de quimioterapia.
Estou na reta final, finalmente. Dia 8 de dezembro vou terminar uma aventura e começar outra! Vou terminar esta luta contra o cancro, sim eu sei é uma palavra bastante forte e assustadora, pelo menos era assim que eu a via antes de saber realmente o que ela significava. Antes de a ver como coragem, força (tanta força), amor, lágrimas, riso, dor, felicidade. Apesar de ir terminar este ciclo, não quero que isto seja visto como um fim, mas como um início! O início de uma vida melhor e mais feliz!
Muitas vezes vêm dar-me os parabéns pela maneira como lidei com esta doença sendo tão jovem. Vou ser sincera, nem todos os dias sorria. Havia dias em que sair da cama era um sacrifício. Havia dias em que olhava para as máquinas que me injetavam uma variedade de medicamentos, com nomes tão estranhos, e as lágrimas escorriam-me pela cara como um rio. Havia dias em que respirar era um sacrifício. Havia dias em que eu não entendia o porquê de estar ali. No entanto, também havia os dias em que parar de rir era impossível, havia os dias em que as minhas bochechas ficavam doridas de tanto sorrir, havia os dias em que me apanhavam no corredor, do piso, a andar de um lado para o outro com os fones nos ouvidos e a cantar, de vez quando parando para entrar no quarto de um amigo para cantar com ele. Assim, apercebi-me que depois de um dia mau viria um dia tão espetacular que me faria esquecer todo o sofrimento do outro e era nisso que pensava nos dias menos bons! Aprendi que com os pensamentos positivos vinham também os resultados positivos nas análises! Outra coisa que aprendi foi que um simples sorriso faz tanto, lembro-me que nos primeiros dias no hospital a minha mãe estava em pânico com tudo e que quando estávamos só as duas eu agarrava-lhe a mão, sorria-lhe, ela relaxava e, nesses curtos segundos, não havia doença nem dor nem preocupações.
Este ano foi bastante difícil, mas também foi bastante gratificante e, sinceramente, acho que é isso que importa. Eu cresci (tanto) com esta doença. No início do ano, numa conversa com uma amiga eu tinha chegado à conclusão que se alguma vez tivesse de lutar pela minha vida que desistiria logo, pois não seria forte o suficiente para a ultrapassar… 3 meses depois oiço as palavras “A Maria tem uma leucemia e tem de começar imediatamente quimioterapia” e sinto o meu coração a apertar no meu peito quando olho para o lado e vejo a minha mãe a cair na cadeira a soluçar de tanto chorar e a tentar falar. Levantei-me, agarrei-a e mostrei-lhe um sorriso enorme “Mãe, eu estou bem! Olha eu estou ótima! Vai correr tudo bem eu prometo”. No momento em que lhe prometi que ia ficar bem tive de me sentar outra vez, porque realmente eu não sabia o que ia acontecer e ela disse-me “Maria agora temos de passar todo o tempo juntas porque tudo pode acontecer” e nesse instante, na minha cabeça só existia uma palavra “Morte”, mas eu não queria morrer, eu não podia morrer ainda tinha tanto a fazer! Então, disse a mim própria que ia lutar por mim e pela minha família e por todos os que me amavam! A partir daí entrei em modo de piloto automático. Nos dias em que parecia que o mundo todo estava contra mim, antes de me deitar para dar o dia como terminado agradecia a Deus por mais uma batalha ultrapassada e por constantemente me mostrar o quão forte realmente sou.
A minha vida, neste momento, consiste em escola de manhã e hospital à tarde. O IPO já é uma segunda casa, não só porque passo lá os meus dias, mas também, porque já considero alguns dos enfermeiros e dos pacientes como família. Os enfermeiros fazem sempre questão de conversar comigo sobre tudo e, por vezes, até me ajudam a estudar, menos matemática, porque nenhum deles gosta. E com os outros pacientes vamos partilhando as nossas experiências, aprendendo uns com os outros e ajudando-nos uns aos outros.
Não tenho vergonha das minhas cicatrizes dos cateteres nem dos hematomas nem do meu cabelo rapado, pois são as minhas marcas de uma guerra que estou a ganhar.
O apoio que tenho recebido da família, professores, amigos e de desconhecidos, que me dizem que a minha história lhes tocou, tem sido espetacular! Por vezes estamos tão preocupados com coisas tão inúteis que não apreciamos o que temos mesmo do nosso lado. Ao longo destes meses fui metendo tudo em perspetiva e fui dando mais valor às pessoas que nunca saíram de ao pé de mim. Deixei de tomar tudo como garantido. Faço sempre questão de dizer às pessoas que amo que as amo, porque nunca sabemos o que poderá acontecer!
Concluindo, estou pronta para começar a viver o resto da minha vida e não ficar apenas a vê-la passar. Estou pronta para me agarrar à vida sem intenção de a largar e de aproveitar todos os momentos, por mais pequenos que pareçam.
“Dear cancer, you taught me the difference between living and existing. I may not know for how long, but I plan to live.”
Maria Couto | 12 T1